RENAN SANTOS

Perfeccionismo, lentes de aumento e murais gigantescos

Renan Santos nasceu em Canoas em 1984. Aprendeu sozinho a arte da ilustração. Estudou arquitetura, mas mudou de rumos para se dedicar ao desenho. Aprendeu também as técnicas de gravura em metal e pintura. Hoje ele trabalha nos três segmentos, mantendo sempre seu estilo marcante e identidade própria.

A técnica que mais se sobressai no trabalho de Renan são as hachuras: as linhas paralelas que criam os sombreados e os tons do desenho. Esse tipo de preenchimento é usado desde antes da Idade Média, e foi bastante elaborado por Albrecht Dürer, famoso gravurista. Com as hachuras, o artista chega ao efeito desejado jogando com as linhas: elas podem ser mais tênues ou fortes; mais afastadas ou próximas; mais finas ou grossas. Renan costuma trabalhar com linhas pretas e deixa as cores a cargo da aquarela.

Sobre seu processo criativo, Renan compartilha: “Tento resgatar nas minhas ilustrações a forma e as técnicas com que as imagens eram feitas no século 19, com desenhos cheios de hachuras feitos em chapas de cobre, impressos manualmente. Fazendo, assim, com que o trabalho manual não morra”. Ainda em 2013, sete anos antes da arte de Renan Santos ocupar a PUCRS, o professor Luiz Antonio de Assis Brasil já dedicava uma coluna de jornal para falar do artista. Chamando-o de mestre, por dominar todas as artes de seu ofício, Assis Brasil elogia seu "perfeccionismo exacerbado à exaustão".

Uma das influências mais visíveis no trabalho de Renan é J. J. Grandville, embora Renan também cite Gustave Doré, Edmund Dulac e outros artistas que ilustravam histórias no século 19. Vale a pena, entretanto, nos determos um pouco na obra de Grandville, um desenhista francês nascido nos primeiros anos do século 19. Grandville começou sua carreira com litografias tradicionais, mas ganhou notoriedade com uma série de desenhos que retratavam criaturas com corpos humanos e rostos de animais. Embora figuras quiméricas não fossem novidade à época, o que chamou a atenção no trabalho de Grandville foi sua habilidade de colocar emoções e características humanas nos traços animais, habilidade também presente nas obras de Renan.



Grandville tornou-se caricaturista de diversos jornais e nunca se isentou de posicionar-se politicamente. Também nisso, há um vínculo entre os dois artistas: o ilustrador gaúcho é capaz de mordazes críticas e reflexões sociais, como demonstra a série de desenhos Retrospectiva 2019, que pode ser vista no seu Instagram.

O trabalho de Grandville ilustrou grandes obras, desde fábulas de La Fontaine às aventuras de Robinson Crusoé. Ele teve, entretanto, um grande detrator. O poeta Charles Baudelaire, embora reconhecesse a habilidade técnica de Grandville, repudiava seu trabalho. Disse ele: "Existem pessoas superficiais que se divertem com Grandville, mas quanto a mim, ele me assusta. Quando adentro o trabalho de Grandville, sinto certo desconforto, como num apartamento onde a desordem é sistematicamente organizada, onde bizarros beirais se espalham pelo chão, onde pinturas parecem distorcidas por lentes óticas, onde objetos são deformados por serem amontoados em ângulos estranhos, onde os móveis estão de pernas para o ar, e onde as gavetas são empurradas para dentro em vez de puxadas para fora".

O que perturbou Baudelaire foi justamente o que seduziu os surrealistas que, no século seguinte, veriam em Grandiville um precursor de suas buscas pelos estados de sonho, o mundo da imaginação e do estranho. Enquanto Grandville afirmava que não inventava nada ("eu apenas justaponho coisas diferentes e entrelaço formas discordantes e incongruentes", ele dizia), Renan é um autodeclarado libertador de imagens presas no inconsciente.

Talvez por sermos observadores do século 21 diante da obra de um artista do século 21, os animais antropomorfizados de Renan ainda causam estranhamento, mas já somos mais aptos a absorver a sensação. Como resume Assis Brasil: "O curioso é que as estranhas obras de Renan dão-nos a impressão de que esses seres sempre estiveram assim, já nasceram assim, e assim persistirão por toda eternidade". Que assim seja.

A obra de Renan na PUCRS tem 304 metros quadrados. A pintura em grandes dimensões era atípica na primeira fase do trabalho do artista, mas agora se tornou sua nova paixão. “Sempre gostei de trabalhos em pequena escala, fazer pequenos desenhos em que alguns detalhes precisavam ser feitos com lente de aumento", conta. Definitivamente, basta olhar para o mural do prédio da Escola de Humanidades para ver que as coisas mudaram. Renan explica que “atualmente, a satisfação maior está em trabalhos de grandes proporções, sair do ateliê para trabalhar em uma parede na rua tem sido muito gratificante”.

O artista ressalta que, por mais que já tenha feito murais em grande escala, cada parede é um desafio novo. Além disso, a obra na PUCRS “foi um trabalho não de uma pessoa só”, segundo Renan. “Foi bem como o processo de ilustrar um livro, só que, no caso, uma ilustração de parede”, conclui.

Renan reúne seus trabalhos no flickr e compartilha dicas valiosas para desenhistas no seu Instagram, onde ele também mostra processos de criação de diferentes obras. Vale a pena conferir os stories do artista.

Entre outros trabalhos, Renan já participou de diversas publicações infantis e infanto-juvenis, murais de grandes escalas, estampas de roupas e objetos, exposições e feiras de arte. Das diversas exposições coletivas que integrou, dentro e fora do Brasil, destacam-se as realizadas na Galeria Hatos, em Tóquio, na Galeria Hellion, em Portland, e na galeria Artistik Rezo, em Paris.

Referências

BRASIL, Luiz Antonio de Assis. Renan Santos. Zero Hora. Porto Alegre, [S.I.]. 20 maio 2013.
MAINARDI, Patricia. Grandville, Visions, and Dreams. 2018. Ensaio na revista The Public Domain Review. Disponível em: https://publicdomainreview.org/essay/grandville-visions-and-dreams. Acesso em: 20 dez. 2019.
THOMSON, J.. Public and Private Life of Animals. Project Gutenberg, 2018. Ilustrações de Jean Ignace Isadore Gérard (J. J. Grandville), ebook.