O que a arte está fazendo dentro de uma universidade? Uma vez que a universidade é um espaço de ciência, pensamento crítico e inovação, a arte – tão associada às ideias de inspiração e talento pessoal – poderia parecer deslocada nesse lugar de ensino. De certo haverá quem pense que os murais no Campus da PUCRS cumprem a função de embelezar o local, o que ninguém poderá negar, mas há muito mais nas superfícies dessas paredes. O projeto Galeria a Céu Aberto pretende inserir arte e humanismo na vida diária de quem anda pelo Campus.
A arte, assim como a ciência, é um método de conhecimento. Por meio da arte, é possível acessar saberes que não podem ser formulados em equações, nem leis, nem muito menos certezas. “A ciência não produz sentido, apenas correlações, independentes de nós”, escreveu Nancy Huston. Enxergar algo além dessas correlações é tarefa que cabe aos outros empreendimentos humanos, dos quais a arte é talvez o mais exclusivamente dedicado à invenção de sentidos. Conclui Huston: “continuamos frágeis, e o mundo continua ameaçador. Nenhuma descoberta científica pode nos tornar imortais, nem mesmo eliminar conflitos e dores da nossa existência.” Nossos trabalhos, porém, com frequência se tornam imortais.
O fato de que, diante de uma pintura, pessoas diferentes enxergam significados diferentes não é prova de falta de rigor da arte, mas demonstração de sua natureza sempre plural. Ainda que fixada a uma parede – ou num livro, numa canção, escultura ou qualquer materialidade – a obra de arte nunca deixa de se transformar. Como num paradoxo poético, é a sua impermanência que garante a sua eternidade. Ao contrário de uma postulação científica que, caso seja refutada, passa a fazer parte apenas do passado, uma obra de arte é sempre uma coisa do presente. O que nós sentimos hoje ao escutar uma sinfonia de Beethoven ou ao contemplar as pinturas rupestres da Serra da Capivara não é o mesmo que sentiram os contemporâneos do jovem Ludwig nem os caçadores da era pré-histórica, mas é inegável que alguma coisa dentro de nós ainda se move. Talvez a única coisa tão antiga e tão imortal quanto a arte seja o espírito da curiosidade humana que nos leva, diante de um objeto criado por outros seres humanos, a olhar para nossa própria natureza.
O artista é, acima de tudo, um investigador. Embora muitos se dediquem à investigação interior, é certo que todos precisam também investigar seu próprio ofício. A pintora analisa as tintas, o escultor estuda a madeira, a escritora compara os clássicos e o fotógrafo experimenta a luz com a mesma minúcia com que um bioquímico se aproxima de um microscópio ou uma arqueóloga desenterra vestígios. Assim como cada avanço científico depende dos passos anteriores de pesquisa, todo artista que conclui uma obra reverência com ela os artistas que o precederam. Renan Santos busca referências nos desenhos de J. J. Grandville; Paula Plim encontrou seu material na mitologia inca; Kelvin Koubik costurou simbologias zoomórficas.
Esses são apenas os primeiros murais do projeto Galeria a Céu Aberto. Virão outros. Segundo o diretor do Instituto de Cultura, Ricardo Barberena, a ideia é que seja criado pelo menos um novo mural por ano. Resta saber que novos conhecimentos e saberes eles vão nos trazer. Se os nossos primeiros murais ganharam o mundo numa época inquieta e de difícil apreensão, tanto mais eles comunicam e tanto mais nos interrogam. É com orgulho que a Universidade oferece o espaço para que essas obras se insiram no incessante fluxo da produção artística humana. Aqui elas permanecerão para aqueles que vierem depois de nós, e dirão a eles coisas que ainda não são capazes de dizer a nós, e abrirão caminhos para todos os que estiverem dispostos a olhar para o alto e para dentro.
Site Galeria a Céu Aberto – Campus PUCRS
Textos: Julia Dantas
Imagens: Camila Cunha e Bruno Todeschini
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